Dragon's Dogma 2 é uma obra-prima maculada

O grande lançamento de março de 2024 é uma maravilha, manchada por problemas técnicos —mas, ainda assim, não se deixa estragar por eles.

O primeiro Dragon's Dogma lançado pela Capcom em 2012 foi um sucesso para uma série estreante, não excedendo as expectativas planejadas pela empresa inicialmente mas que, com o passar dos anos, foi se tornando cada vez mais famoso entre os jogadores, cultivando uma legião de fãs e se firmando como um clássico da sétima geração.

Em 2024, Dragon's Dogma 2 chega como um dos grandes lançamentos do ano e, talvez, um dos mais controversos: microtransações e problemas de desempenho fazem com que o público se divida entre aqueles que o amam independente desses "problemas" e aqueles que consideram seu lançamento uma afronta.

Quem jogou o primeiro estará em casa nessa continuação. Pouca coisa muda de fato, mas tudo se renova e evoluí: o jogo é extremamente semelhante ao primeiro, mas muito avançado em todos os sentidos.

Uma continuação muito familiar para fãs da franquia.

Apesar de parecer uma evolução óbvia, não é incomum na indústria sequências de títulos consagrados incluírem mecânicas "do momento" para maior prospecção de público. Foi uma grata surpresa ver que o jogo, no geral, ainda é o mesmo, principalmente em seus pontos mais fortes.

Fica claro para quem joga que, a intenção dos desenvolvedores não foi aumentar o escopo do projeto indefinidamente, entupi-lo de firulas e conteúdo para "fazer hora": não há loot-boxes, não há passe de batalha e não há roadmap de DLC's. Aliás, mais importante ainda: não houve adição de modo online.

Em vez de fazer uma salada com seu conteúdo, o jogo distribui suas mecânicas muito bem e não abusa delas, na verdade, elas se amarram umas as outros para fazer sentido e, seu destaque, não é nem a originalidade ou utilidade, mas sim a atenção aos detalhes de sua realização que se juntam a criação meticulosa do mapa.

Uma infinidade de mecânicas.

Por exemplo, quando o jogador se fere em batalha, parte do dano só poderá ser curado descansando e, para descansar, precisamos ir para casa, pousada ou até mesmo acampar em um lugar apropriado. Durante o trajeto até uma destas três, é quase certo que você encontrará: quests, tesouros, monstros ou dungeons inteiras, além de materiais para criação e melhoria de itens.

Há também a mecânica de passar o tempo, diferente de descansar, isto não fará com que recupere sua vida, mas é útil para realizar tarefas ou encontrar NPCs que só são encontrados em determinadas horas do dia. São mecânicas que já existem em tantos outros jogos, mas que aqui se destacam pelos detalhes: em vez de um simples menu em que escolhemos a hora para acordar, podemos cochilar em um banco de praça, em transporte ou simplesmente passar esse tempo em uma taverna.

Um bom exemplo de atenção aos detalhes é o fato de que praticamente não há distinção entre o sistema de passar o tempo e a viagem rápida pela carroça. O jogador sobe na carroça, senta-se no banco e, caso queira, cochila durante a viagem. A única diferença é de que, caso cochile na carroça, o jogador só acordará quando chegar no destino ou se a viagem for interrompida por monstros.

Claro, destacamos que este jogo não se assemelha em nada com o que Red Dead Redemption 2 tentou desenvolver ao diminuir o passo da jogatina. Os detalhes de Dragon's Dogma 2 não fazem questão de ser tão meticulosos, por exemplo, para coletar itens, não é necessário aguardar nosso personagem se abaixar e coleta-lo.

Aqui os detalhes não prezam tanto pelo realismo e detalhamento, mas sim sustentar o loop de gameplay enquanto prende o jogador neste mundo. Resumindo, Dragon's Dogma, é um jogo que deixa o jogador compelido a colocar o seu próprio nome no personagem principal.

É neste ponto que percebe-se a diferença de simplesmente ter a opção de descansar em um menu e permitir ao jogador escolher as horas ou fazer com que o jogador utilize o que há disponível por ali no momento, seja uma barraca, uma pousada ou um banco de praça.

Como a física é essencial.

Além dos detalhes que ligam estas mecânicas, existem os detalhes que a fazem funcionar. Como o "peso" da movimentação, aqui não me refiro ao sistema de peso ao carregar itens, mas sim a forma como personagem corresponde aos comandos do jogador e como eles se realizam na tela e interagem com as outras coisas.

Por exemplo, um dos pontos mais altos do jogo é o seu sistema de levantar, carregar e jogar objetos, pessoas e inimigos. É um único sistema que possibilita um leque imenso de possibilidades, tanto para exploração do mundo, como para abordagem em lutas e quests.

Tudo isso se alia ao planejamento do mapa, que conta com bastante penhascos, rios, áreas elevadas... Enfim, um cenário construído muito bem para explorar esta função.

Parte do que faz isto funcionar tão bem, além de podermos mover os objetos, claro, é como estes objetos voam pelo ar quando os jogamos, como eles se quebram e como derrubam outras coisas, ou explodem, ou seja lá o que for. É tudo muito caprichado neste sentido.

A física é realmente um dos pontos mais fortes do combate do jogo, para além de combos e poderes com potencial de lançar inimigos ao ar e deixa-los atordoados no chão após caírem, já seria o suficiente para que cada batalha fosse únicas.

Subir em um monstro e cair sem equilíbrio derrubando outros personagens, ser levado para fora da luta, ou simplesmente passar vários segundos no ar após ser atingido, são todos detalhes que ajudam a tornar cada batalha única. A física aplicada de maneira praticamente livre aos corpos desequilibrados ou objetos é um elemento curinga, capaz de criar uma infinidade de cenários.

Para além destes detalhes, a variação no combate não fica apenas por conta do mapa ou da física bem aplicada no jogo. Os inimigos são capazes de feitos surpreendentes, além de simplesmente te bater.

Diferentes criaturas apresentarão diferentes comportamentos em batalhas. Lobos, por exemplo, correrão bastante e podem ser difíceis de acertar. São cautelosos e normalmente atacam em bando, sempre esperando alguém cair no chão para lhe agarrar o pescoço e levar embora, para bem longe da luta e começar a devorá-lo.

Já harpias, que atacam voando, podem ter seus pés agarrados pelo jogador e até mesmo serem utilizadas como meio de transporte, ajudando a alcançar certos segredos ou atravessar alguma área mais rapidamente.

Apesar de não parecer inicialmente, o combate de Dragon's Dogma 2 é bem estratégico. Simplesmente bater nos inimigos não será o suficiente... melhorar o equipamento também não garante muita coisa.

O comportamento e número de inimigos, assim como o local em que a batalha ocorre, serão importantíssimos para cada batalha que se enfrenta. Além destes pontos, é importante saber as fraquezas de cada tipo de criatura, para saber a forma mais rápida e viável de encerrar a luta.

Batalhas mais longas ou difíceis resultam em penalidades para o restante da viagem, afinal, nada garante que será possível chegar ao próximo acampamento. E não adianta ter poções consigo, pois existem penalidades das quais não será possível se livrar fora de um acampamento ou cidade.

Também existe uma boa variedade de classes com uma vasta variedade de habilidades para escolher, com apenas 4 no início, e outras 6 para serem desbloqueadas mais tarde no jogo. Inicialmente, temos a clássica variedade de guerreiro, arqueiro, ladino ou mago e, posteriormente, classes que extrapolam a interpretação dessas e/ou as mesclam.

Sem sair do tom de Dragon's Dogma 2: tudo se integra de forma muito orgânica. As diferentes classes interagem com o cenário e o combate em maneiras diferentes de outros jogos.

Enquanto usar habilidades de combate para alcançar certas partes do cenário pode parecer um glitch em outros jogos, em aqui não há dúvidas de que realmente se trata de uma feature do jogo.

A interação com seu grupo, as despedidas...

Por falar em feature, não é possível prosseguir com uma análise sem falar do sistema de peões do jogo, que são um dos pontos centrais para tornar a experiência de jogar Dragon's Dogma algo único, não experimentado em nenhum outro título.

A ideia é criar um MMO singleplayer, basicamente, e embora soe absurdo ou estúpido a princípio, funciona, sim, muito bem.

É como no primeiro jogo: podemos recrutar peões criados por outros jogadores, que são controlados por inteligência artificial, mas diferente do primeiro título da série, neste segundo eles estão muito mais capazes. Podendo nos guiar em missões, apontar tesouros e segredos, enfim, todo o conhecimento adquirido em suas próprias aventuras com outros jogadores.

Como não é possível que os peões de outros mundos evoluam no mundo do jogador, é necessário renovar a equipe de tempos em tempos, pois peões com níveis mais baixos não poderão mais oferecer tanta ajuda em combate.

Além da questão do nível, também pode-se recrutar peões com base em habilidades ou características que auxiliarão em uma linha de missão específica. Por exemplo, podemos escolher um peão que já tenha experiência em certa missão, desta maneira, ele será o guia do jogador nesta tarefa. Em alguns casos, o nome do peão ou alguma habilidade específica, como saber o idioma élfico virão bem a calhar.

Além de muito úteis, os peões dão muita vida ao jogo. Embora seus diálogos possam acabar se repetindo bastante após um bom tempo de viagem, estranhamente, nos vemos nos apegando a eles, por serem extremamente úteis, por serem importantes para o jogo e, para os peões de outros jogadores, muitas vezes, por causa de seus visuais extravagantes ou engraçados.

Enquanto jogamos, nos sentimos compelidos a demonstrar respeito por estes servos que nos acompanham, pois aturam de tudo. Sentamos em fogueira e tentamos conversar, mas existem apenas diálogos simplórios e diretos, focados apenas nas funções úteis dos peões em nos auxiliar. Seria interessante ter, mesmo que poucas opções, de diálogos que focassem em uma relação casual e amigável.

O verdadeiro Dragon's Dogma 2.

É interessante notar que, quando iniciamos o jogo pela primeira vez (e em tantas outras), vemos na tela de título apenas o título "Dragon's Dogma", sem qualquer número ou indicador de que seja uma continuação do primeiro jogo. Uma sacada genial para aqueles que se aventurarem até o fim nesta narrativa.

É difícil comentar sem spoilers, mas trata-se de um evento que não renova apenas a história do jogo enquanto jogamos, mas também transforma todo o mundo aberto que exploramos e distorce um pouco algumas regras que acreditávamos ter entendido àquela altura do campeonato.

É este tipo de coisa que se destaca no jogo, desde o início. Não por mecânicas 100% inovadoras, pela execução e encadeamento meticuloso de boas ideias e planejamento de jogo. São coisas que reparamos no combate, no caminhar, escalar, no interagir, segurar e jogar... Mas também no mundo, na aventura, na história e nos personagens que ali habitam. É um mundo que fará você se importar.

São "sacadas" do mesmo tipo que vemos em Nier: Automata, Undertale e outros jogos que buscam imergir o jogador na narrativa de maneiras menos convencionais. A diferença em Dragon's Dogma 2 é que essa não-convencionalidade parece não existir de verdade, exceto quando estamos no controle.

Uma obra-prima maculada.

O principal defeito que consigo elencar é sobre o desempenho do jogo. Quem tem um computador muito parrudo, dificilmente tem qualquer problema neste sentido, entretanto, nos consoles, o jogo não mantém estabilidade em 60 quadros por segundo.

Por aqui, joguei em um Xbox Series S, a versão mais fraquinha. O jogo oscila bastante entre 40~60 quadros por segundo, mas não é nada injogável. No geral, estas quedas mais abruptas acontecem em Venworth, a primeira grande cidade que visitamos, em mais nenhuma outra, tive a experiência de algo que poderia chamar de "problema".

Em calabouços e pelo mundo aberto, o jogo mantém a estabilidade nos quadros sem problema. Inclusive, mesmo com a opção de travar o jogo em 30 quadros por segundo, optei por manter destravado, pois em 90% do jogo, ele roda acima disso (quanto exatamente, não sei dizer, mas chuto que fica entre 45~60 quadros por segundo).

Vale lembrar também que o jogo não conta com Ray Tracing no Xbox Series S, apenas no Xbox Series X e PS5 (bom, não é um problema, mas uma característica que é importante frisar da versão). Ainda assim, o jogo é belíssimo.

Para além desta questão de desempenho, o jogo em si deixa pouquíssimo espaço para apontarmos erros ou problemas. Mas é inegável que estes problemas de desempenho maculam, sim, uma experiência que poderia ser ainda mais aterradora, mesmo que apenas um pouco.

Acho que algo que pode ser útil dizer é sobre o número de inimigos que espreitam o mundo e que, mesmo os mais fáceis, podem acabar dando um pouco mais de trabalho por estarem em locais não tão fáceis de alcançar ou por conseguirem acertar um bom golpe de sorte no jogador.

Normalmente, isso não implica em morte, mas em atraso nas andanças pelo mundo. Eventualmente se tornando algo que, em alguns momentos, nos faz temer viajar mais por causa da maçada destas situações do que pelo perigo ou dificuldade.

Microtransações abusivas?

Apesar das polêmicas no lançamento e um pouco depois, devido ao número grande de itens disponíveis a venda como conteúdo adicional, Dragon's Dogma 2 tem um sistema de microtransações muito saudável.

São itens de viajem rápida, que permitem ao jogador se teletransportar por determinados pontos do mapa, itens que permitem criar estes determinados lugares, pontos que utilizamos para recrutar personagens de outros jogadores, itens para reviver personagens, etc.

O ponto é que: absolutamente nenhum destes itens precisa ser comprado desta forma. Todos podem ser conseguidos (facilmente, inclusive) dentro do próprio jogo.

O estardalhaço feito em torno deste ponto não se sustenta. Diferente de tantos outros jogos, aqui não são vendidas nem mesmo skins exclusivas, absolutamente nada. Tudo, sem exceção, está disponível diretamente pelo jogo.

O engraçado é que, comprar estes itens pode até mesmo tirar um pouco da graça do jogo, pois são itens úteis que encontramos pelo mundo enquanto jogamos e, caso comprados, tornam-se dispensáveis em algum grau.

Ressalta-se também que eles estão bem caros por fora do jogo, pois realmente não são nenhum bicho de sete cabeças para se conseguir jogando (alguns podem até ser farmados). Claro, alguns são mais raros, mas nenhum deles não está disponível diretamente pelo jogo.

Épico, esmerado e divertidissímo.

Em suma, Dragon's Dogma 2 é um belíssimo jogo. É épico em escala e em seu conto lendário sobre camaradagem, destino e autorrealização. Sem nunca se perder de sua fantasia, de seus dragões, espadas e magia, cria um mundo inspirador e cheio de vida, recheado de figuras marcantes, com as quais é possível criar vínculos, sejam estes roteirizados pelo destino ou não. Há, quase sempre, espaço para o jogador participar ativamente deste processo de vínculo, de exploração e de extrapolação de expectativas.

Combates agitados e divertidos por sua imprevisibilidade são constantes, pois há cenário, há monstros e há personagens que vagam pelo mundo para criar estas situações únicas. Realmente, um mundo que parece se mover em constância, mesmo pelas costas do jogador.

As mecânicas bem elaboradas se juntam ao mundo bem estruturado de maneira orgânica, criando uma experiência divertida com pouquíssimo espaço para monotonia, pois o jogador é instigado a cada instante: pelas paisagens, pelo horizonte, pelos segredos e pelos inimigos.

É difícil pontuar defeitos, quando, como jogo, temos uma obra-prima, maculada por questões de otimização para diferentes hardwares. Neste caso, vai de cada um se aventurar. Na minha opinião, ele mantém um bom desempenho mesmo no console mais básico disponível.

Uma evolução direta e absoluta do primeiro título, atualizada e refinada ao máximo.

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