Aventura no fluxo do pensamento: da sindicalização nos EUA aos jogos publicados no Brasil

Vamos conversar um pouco sobre a indústria de videogames? Em pensamentos confusos!


Recentemente, acompanhamos (e em breve veremos de novo) mais uma rodada de demissões em massa orquestrada pela Microsoft que atingiu com mão pesada os trabalhadores da base da divisão Xbox, aqueles que trabalham e aparecem nas partes mais desinteressantes dos créditos, claro, para aqueles que se importam em lê-los.

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Produto vs Obra

Importando-se ou não: jogos são feitos por pessoas. Que trabalham para comer, que trabalham por amor ou que trabalham para que o diabo não domine suas oficinas vazias. Muitos destes que saíram, permaneceriam recheando o grosso dos créditos por muito tempo ainda até que tivessem a chance de atuar mais expressivamente em futuros projetos ou que recebessem o aval e o amém para comandar um time e desenvolver um projeto autoral; ou mesmo os que adquirissem experiência e confiança o suficiente para pular fora por conta própria e criar o que é seu do zero; e claro: haveriam também aqueles que permaneceriam contentes fazendo o seu trabalho até o inevitável fim do contrato.

É interessante e importante pensar sempre que os jogos que jogamos são feitos por pessoas, não por companhias. Por mais comum que seja ouvirmos o emprego da prosopopeia para falar dessas empresas, dos estúdios e afins, principalmente quando jogadores são bombardeados com atitudes anti-consumidor, crises de imagem, cancelamento de jogos, mudanças de estratégia ou demissões em massa acontecendo corriqueiramente, ao ponto de faze-los repensar o seu modo de consumo enquanto clientes.

Esta característica da abordagem do público com relação às práticas empregadas pelas maiores empresas do meio torna-se uma questão quando esta figura de linguagem parece distorcer em algum grau a compreensão da realidade: empresas não são mesquinhas, avarentas ou qualquer outra coisa, tão pouco procuram prosperar de maneira abstrata, "deixar sua marca" ou mesmo "revolucionarem" qualquer coisa que seja. Empresas não amam videogame, não fazem arte e muito menos desenvolvem jogos. Pessoas o fazem.

Portanto, o que há por trás das decisões e movimentos mais agressivos em relação ao consumidor ou danoso para as condições de trabalho dentro destas empresas gigantes não é algo abstrato, mas também outras pessoas, essas que realmente não aparecem nos créditos de jogo algum e dificilmente participam de qualquer forma na criação das tecnologias empregadas ou na criação dos jogos.

Agora, estas pessoas são malvadas? Objetivamente não. Seus trabalhos são mandar e desmandar, tomar as ditas decisões estratégicas (ou melhor, aprova-las sobre a avaliação de terceiros) arbitrariamente, sim, mas novamente: não de maneira abstrata e muito menos gratuitas ou sem sentido.

Sejam desenvolvedores, porta-vozes, analistas, e qualquer outro trabalhador dentro de uma dessas empresas está sujeito às arbitrariedades que vêm de cima e, muitas das vezes em que ocorrem, ocorrem justamente com um objetivo concreto e comicamente óbvio: o lucro.

Não é irônico que o objetivo da produção contradiga o desejo do consumidor (em algum nível)? Mesmo pensando em jogos como produtos, não é irônico que, a grande massa consumidora esteja reclamando justamente de práticas e consequências que advém principalmente, não da necessidade do lucro em si, mas da necessidade de expansão deste lucro?

Para alguns o lucro não é consequência da arte, do trabalho ou da venda, mas sim do investimento. Tanto quanto para alguns o lucro é maior do que para outros. O investimento, portanto, precisa ser recompensado religiosamente, caso contrário, é aplicado em outro lugar.

É nesta dinâmica em que o foco no live service, conteúdo gerado por IA, jogos enlatados, microtransações, passes de batalha, versões deluxe e ultimate, skins premium, fechamento de estúdios consagrados, morte de franquias nichadas, demissões em massa, DRMs rígidos e tantas outras práticas questionáveis ganham força, por mais que aparentemente não façam sentido para aqueles que gostam de videogame. Elas fazem sentido para aqueles que fazem dinheiro com videogame.

E piora: jogos vendem cada vez mais, mas o dinheiro já não vem principalmente destas vendas e sim do pós-venda, daí a enxurrada de jogos como serviço e venda de conteúdo cosmético nos últimos anos. Uma tendência que não dá sinais de cansaço até então, apesar de haver, sim, certa resistência.

Infelizmente, os resultados falam mais alto: para aqueles que amam, é a garantia de que será possível perdurar; para aqueles que lucram é o motivo de faze-los, para começo de conversa. Portanto, seguir tendências não é uma apenas questão de enriquecer, mas de garantir a sobrevivência através do lucro também.

Por isto a necessidade de compreender estas questões relacionadas a indústria como estruturais, não morais e muito menos naturais (olha aí a Segunda Natureza). Afinal, sejam aqueles que fazem por "amor" e coisas do tipo ou aqueles que fazem por dinheiro: em algum grau, eventualmente cairão nestas mesmas práticas e replicarão tendências, à medida em que seus negócios crescem.

A raiz do problema, por ser estrutural, não pode ser combatida a partir de abstrações, de diálogo sobre o que deveria, o que poderia e o que seria se, mas sim da transformação da realidade através de iniciativas destes próprios trabalhadores e do recebimento de apoio amplo para estas iniciativas.

Estas iniciativas já existem e se traduzem em movimentos em defesa da sindicalização dos trabalhadores da indústria de jogos, como o Game Workers Unite de 2018 e o próprio Game Workers Coalition,

Nos Estados Unidos, foi fundada em 2020 a CODE-CWA (Campanha para Organizar Trabalhadores Digitais), um ramo nascido da Communication Workers of America (Trabalhadores da Comunicação da América), fundado originalmente em 1938.

Dentre as iniciativas da própria comunidade de jogadores/consumidores, citamos o recente Stop Killing Games, para o qual, inclusive, houve aberta resistência por parte de diversas empresas do ramo e muito ceticismo até por parte da comunidade de jogadores.

Sindicato sob as demissões da Microsoft Xbox em 2025

Formado em 2024, o ZOSU (Zenimax Online Studios United), o sindicato da subsidiária se pronunciou após as demissões em massa realizadas pela Microsoft este ano.

Em seu comunicado, o sindicato afirma que todos os seus funcionários seguem empregados e trabalhando na empresa, mas que não podem garantir que mesmo membros do sindicato não serão cortados futuramente, mas apenas que, estes que forem, sairão com direitos garantidos.

As demissões no estúdio acarretaram também no cancelamento de um projeto ainda não anunciado oficialmente. Neste projeto cancelado, trabalhavam pelo menos 222 funcionários ligados ao ZOSU.

Vale ressaltar que este sindicato ainda não conseguiu seu contrato junto a Microsoft, mas devido à ligação com o CWA, já possui certa força para se fazer ouvir.

Se tratando destes sindicatos de trabalhadores de videogames, a base é feita principalmente por trabalhadores de QA (Quality Assurance), que são historicamente mais afetados pela falta de reconhecimento e estabilidade. Atualmente, os sindicatos já possuem diversos membros que atuam em todas as áreas de desenvolvimento e seguem se expandindo.

O caso da SEGA of America

A SEGA of America foi uma das empresas que aparentemente abordou o movimento sindical da melhor maneira em 2023, não apenas reconhecendo que parte de seus trabalhadores estavam se organizando, mas assegurando em comunicado que aqueles que decidissem participar não sofreriam qualquer tipo de retaliação. Mas, mais importante ainda, seria o reconhecimento de que a organização dos trabalhadores é um direito e que não deve ser contestada.

Entretanto, ainda em 2023, esta mesma empresa foi denunciada pelos trabalhadores organizados sob o AEGIS (Allied Employees Guild Improving Sega), após a maioria dos trabalhadores votarem a favor do sindicato e se organizarem. 

Entre as práticas empregadas pela SOA estavam ameaças de demissões em massa de funcionários que permanecessem sindicalizados, alegando que suas posições seriam terceirizadas para funcionários no Japão e Europa. Além disto, funcionários temporários seriam demitidos gradualmente.

Todo o contato feito pela SOA nesta ocasião foi feito diretamente com os funcionários, ignorando a existência do sindicato, apesar da demonstração de apoio inicial e, em janeiro de 2024, foi levada a cabo a promessa de demissão dos funcionários temporários e terceirização de suas funções.

A despeito disto, o sindicato sobreviveu e conseguiu um contrato junto a SOA, mesmo com sua base reduzida devido as ações rápidas da empresa durante 2023. Entre as conquistas do sindicato na ocasião estão: aumento para membros do sindicato, maior proteção contra demissão e criação de uma lista de recall (funcionários demitidos sem justa causa deverão ser convidados a retornar caso seja aberta uma nova vaga para o mesmo cargo que ocupavam), além é claro de maior capacidade de negociação junto a empresa.

O surgimento do Game Workers Unite

O GWU surgiu em 2018 como resposta ao evento GDC (Game Developers Conference) e ao IGDA (International Game Developers Association). o primeiro que historicamente se tratava do maior evento para trabalhadores da indústria nos Estados Unidos e, o segundo, que se trata da associação organizadora do evento.

O grande problema que os trabalhadores responsáveis pelo GWU enxergaram no GDC e IGDA foi a composição dos responsáveis por estas organizações, que são compostas principalmente por CEOs, apesar de alegadamente "advogarem em prol da qualidade de vida para os trabalhadores".

Na verdade, demorou bastante para a ficha cair, pelo menos 10 anos antes da formação do GWU, membros organizadores do GDC já haviam proferido absurdos no palco do evento, absurdos que deixariam (e deixam) Tallis Gomes orgulhoso.

Após reiterados exemplos de incompreensão da classe demonstrados pelos líderes do evento, os trabalhadores (a quem o evento era direcionado) não apenas concluíram que o evento representava e defendia as empresas e seus líderes, mas também decidiram se organizar e, finalmente, falar abertamente de suas preocupações e necessidades como trabalhadores da indústria.

E no Brasil?

Já no Brasil, parece piada sequer pensar em um classe de trabalhadores da indústria de videogames: afinal, a produção nacional de jogos tradicionais é limitadíssima (em escopo) e, apesar de vermos que está crescendo de alguma forma, ainda é um ramo de pouca expressão e projeção no país.

Desenvolvedores brasileiros se desdobram para atuar no ramo, produzindo jogos principalmente para "exportação", com jogos que, às vezes, nem mesmo estão disponíveis em português. Os mais bem sucedidos, entretanto, nem mesmo fazem parte de nossas fileiras: trabalham para fora, tanto em projetos de grande orçamento sob grandes estúdios, quanto na criação de estúdios menores e/ou em projetos de estúdios menores.

Pensar em sindicalização, então! É capaz de aflorar sentimentos intensos, derramamento de bile e ânsia de vômito nos brasileiros mais sensíveis ao tema.

Mesmo que, historicamente o saldo dos sindicatos no Brasil tenha sido positivo,  com muitas conquistas nas mais variadas áreas, há um bom tempo a imagem de sindicato é ligada ao coleguismo pelego e a corrupção, de maneira muito parecida com o que acontece com as ONGs: são vistos com muito ceticismo e encarados apenas como uma forma de obter lucro e "ganhar a vida". Em suma, uma empresa privada criada para para capitalizar sobre lutas legítimas.

A grande questão é que, praticamente, não há indústria nacional e o que há, é compreendido pela norma no Brasil quando falamos do setor de T.I (e associados, como é o caso), onde a maior parte dos empregos disponíveis é sobre o regime de PJ, o que, ironicamente, aproxima a relação de trabalho destes sob Contractor Agreements, bastante comuns nos Estados Unidos e que, inclusive, acolhem muitos brasileiros do ramo que optam por trabalhar para empresas estrangeiras.

Assim como um Contractor independente nos Estados Unidos não tem estabilidade, férias ou qualquer coisa do gênero (a depender do contrato), o trabalhador PJ no Brasil também recebe o ônus sem o bônus, mas ainda com a desvantagem de não receber em moeda estrangeira.

Tendo isto em mente, fica claro que os problemas relacionados ao setor no país vão um pouco além: é necessário buscar maneiras de manter e desenvolver o talento, e a questão da remuneração com certeza é uma das maiores urgências neste sentido, é preciso melhorar o salário e benefícios, possivelmente equilibrar as duas coisas.

A competição é enorme neste meio e para as empresas também já não é simples reter um funcionário qualificado. A retenção de talentos é um dos maiores obstáculos enfrentados pelas empresas do ramo no Brasil: em um mercado que borbulha com oportunidades através do globo, é difícil manter um funcionário por muito tempo sem um ambiente de trabalho muito bom, possibilidades de desenvolvimento da carreira e do próprio profissional.

Em 2024, tivemos o Marco Legal dos Jogos Eletrônicos, que passou a permitir que empresas de desenvolvimento de jogos poderiam utilizar-se dos benefícios previstos pela lei do audiovisual. Uma ação recente do governo em prol do setor, com certeza.

Também existem projetos estaduais para auxiliar no crescimento do setor, entretanto, voltamos ao ponto da retenção e desenvolvimento de talentos na área. Por parte, principalmente dos governos estaduais, é necessário que se atue também na formação de profissionais para atuar na área, para além de políticas de fomento a crédito e financiamento para empresas, além de questões relacionadas a infraestrutura (locais com baixo nível de acesso a tecnologia).

E o que os jogadores têm a ver com isso? 

Para os jogadores, é interessante entender o momento em que a indústria se encontra e onde e como se encontra, seja como mero consumidor, entusiasta ou apreciador da arte: afinal, as condições de criação são fator crucial para explicar o produto que recebemos no final.

Tendências da indústria que desagradam jogadores são explicadas por fatores alheios aos jogos em si, mas que participam de uma forma ou de outra da trajetória de sua criação e, por consequência, de seus resultados. Tempo, profissionais capazes, recursos, etc; são fatores que se atropelam ao tentar criar algo na ausência de um deles, o melhor resultado existe na boa convivência destes.

Todo país possui sua história particular com videogame, derivada da relação das pessoas com os jogos que fizeram e fazem sucesso em suas comunidades, seus próprios fenômenos: sejam eles jogos inteiramente novos, total conversions, ou até mesmo mods mais tímidos. O desenvolvimento de games é algo muito maior do que meramente criar um jogo.

Entretanto, diferente de lugares como a China, Japão ou Coréia do Sul, que se sustentam sobre sua própria forma de criar, de consumir e, portanto, de exportar, o Brasil parece ter sido cooptado por algum espírito exterior: com jogadores que buscam renegar a história que os formou para dar lugar a experiências de consumo que não apenas excluem boa parte dos jogadores, como também os explora.

Enquanto, nos Estados Unidos as empresas enfrentam a sindicalização de seus funcionários, aqui no Brasil, ainda não faz sentido sequer pensar na indústria de games como algo massivo, com equipes gigantescas e jogos que vendem milhões.

Já para o Brasil, que embora caminhe devagar para o desenvolvimento do setor (mas que ainda caminha), ainda não parece fazer sentido comprar este tipo de briga, mas sim encontrar a sua para este momento.

A juventude da indústria brasileira é uma centelha de esperança, não de lamento: o que está sendo construído cabe aos jogadores e desenvolvedores brasileiros formatar. O principal desafio brasileiro atualmente, não está em se tornar uma indústria como as outras, mas sim em se tornar a indústria brasileira, que existe com suas próprias especificidades e legitimada pelo público local.

Para isto, será necessário não somente refletir sobre as peculiaridades do mercado nacional e seus padrões de consumo de videogame, o impacto da pirataria, os gêneros que amamos, e por aí vai. Neste sentido, o verdadeiro desafio para o momento da indústria brasileira é encontrar o estopim que a lançará para frente.

Promessas brasileiras

Portanto, qual será o "fenômeno" brasileiro nos videogames? Já tivemos alguns candidatos a este titulo, mas que acabam não se mostrando fortes o suficiente para alcançar este feito, valendo destacar o jogo 171, da Betagames Group, que foi por muito tempo um sonho para muitos jogadores brasileiros e chamou a atenção no exterior também, mas hoje é visto por parte do público com certo ceticismo, especialmente o brasileiro.

Entre os problemas que levaram 171 de "jogo dos sonhos" para "mais um clone de GTA" ou até mesmo "Asset flip" estão muitos desafios que a maioria dos projetos mais ambiciosos brasileiros (e até mesmo de outros países) enfrentam, onde vale destacar o longo tempo de desenvolvimento e desenvolvedores ainda inexperientes para o que o projeto demanda.

Por outro lado há um projeto brasileiro mais recente: o Impunes, da 2nibble,   também inspirado em GTA que conta com uma proposta semelhante, em algum grau, mas que se diferencia de todas as outras por questões determinantes de seu design. 

Diferente de 171, que se inspira na campanha e aspectos do modo de apenas um jogador de GTA, Impunes busca, através de sua abordagem roleplay-sandbox, encarnar outro faceta do jogo da Rockstar, a participação da comunidade através de mods e servidores privados.

Apesar de possuir apenas modo para um jogador (até o momento), Impunes já se apresenta como um projeto diferente dos demais, prometendo "expansividade infinita" através de criações da comunidade que serão facilitadas e conteúdo adicional criado pela próprio empresa. A proposta é a de um jogo altamente customizável, o que normalmente ajuda a criar uma comunidade forte e fiel. 

Apesar do progresso lento, com 3 anos de desenvolvimento, parece que o projeto corre bem dadas as condições. De acordo com o estúdio, o jogo é desenvolvido durante o tempo livre dos membros do time, já que o projeto não tem financiamento.

Muito além de "GTAs brasileiros"

Para além de promessas inspiradas em jogos estrangeiros, nossa cena conta com muitos jogos que já se concretizaram, alcançaram (e alcançam) milhares de fãs ao redor do mundo, surpreendendo pela qualidade e personalidade.

Dentre estes sucessos, vale destacar Unsighted (Studio Pixel Punk), que a cada dia se firma mais na acepção coletiva como um novo clássico. Além de ser um jogaço (por todos os ângulos), também é responsável por apresentar uma dinâmica de gameplay inovadora com seu ângulo de câmera único e também pela abordagem que dá a gestão de recursos e tempo dentro do jogo.

Outro grande destaque dos últimos anos também foi Horizon Chase (Aquiris Game Studio), que chegou até a ganhar sequência e rendeu também uma parceria de longo prazo do estúdio brasileiro com a Epic Games.

Jogos como A Lenda do Herói, Enigma do Medo (ambos do estúdio Dumativa) e 99Vidas (da QUByte Interactive) ressaltam a importância dos criadores de conteúdo para a cena e ascensão de estúdios de desenvolvimento no Brasil (e no mundo). Para além da divulgação de diferentes títulos que esses criadores geram gratuitamente, ou até mesmo como nos exemplos deste parágrafo: com participação desses criadores como elemento chave, seja através de financiamento, argumento ou jogo encomendado.

O que estes jogos têm em comum? Além de se tratarem de projetos relativamente menos ambiciosos em questão de escopo, o que evita (em algum grau) que o desenvolvimento se torne um inferno e que consequentemente cada vez mais dinheiro seja necessário para concretizá-los, também possibilita que sejam concluídos em tempo hábil para que seus lançamentos ainda façam sentido.

Além das questões práticas, há também aquelas conceituais: cada um destes jogos buscou realizar algo que tornasse seu projeto único e que se relacionasse com seus criadores e o local de onde vieram. Horizon Chase, por exemplo, é uma ode ao clássico Top Gear de SNES, que é muito popular no Brasil, se relacionando com a formação de muitos jogadores no país.

Vale a pena também mencionar títulos de expressivo sucesso e que apresentam conceitos tipicamente brasileiros, abordando temas, questões e aspectos culturais e históricos tipicamente brasileiros, como a seca e história do sertão nordestino, em Árida: Backland's Awakening (Aoca Game Lab), a cultura gaúcha típica do sul do país, em Gaúcho and the Grassland (Epopeia Games) e até mesmo figuras icônicas da história do país, como em Dandara: Trials of Fear (Long Hat House).

A busca ou a negação da identidade

Voltemos por um momento aos "clones" de GTA brasileiros que mencionei anteriormente. Projetos relativamente grandes e desenvolvidos com poucos recursos, principalmente ao levarmos em conta seus times responsáveis. 

Com certeza são jogos que se conectam com os jogadores brasileiros, afinal, quem nunca imaginou um GTA ambientado no Brasil? Embora isto já tenha sido alcançado através de MODs, em algum grau, ter um jogo desenvolvido do zero com esta ambientação em mente deve resultar em algo bem diferente.

Neste sentido, 171 deve sair na frente de Impunes, que emula muito mais a estética do jogo da Rockstar e, consequentemente se torna ainda mais derivativo, embora também seja ambientado no Brasil. A sua grande jogada é mesmo a comunidade, que terá um lugar para atuar com ainda mais liberdade do que no próprio GTA da Rockstar.

O que particularmente acho difícil de conceber é como estes dois títulos não parecem reconhecer a marginalidade do mercado brasileiro, mesmo atualmente. Onde está a maior parte dos jogadores brasileiros e onde eles são, de fato, vistos?

Dentre as plataformas de jogos disponíveis atualmente, nenhuma do ramo de consoles parece fazer justiça ao público brasileiro como deveria, pelo menos, não aquelas reconhecidas como plataformas próprias para jogos, ao mesmo tempo, a imensa maioria dos jogadores está nos dispositivos móveis, por exemplo, e a Google é uma das maiores empresas atuantes no que diz respeito a games no país.

Consoles de emulação, que se tornam cada vez mais populares, PCs portáteis e até mesmo PCs, também ganham cada vez mais tração, justamente pelo tratamento que é reservado ao público brasileiro por gigantes como Sony, Microsoft e Nintendo, com preços incomunicáveis e vantagens enxutas.

Entre as vantagens do PC, está a possibilidade de utilizar a Steam e outras lojas digitais, que oferecem preços mais convidativos para os jogadores, na maioria dos casos.

Porém, indago: não seria a hora de buscar a expansão de plataformas que atendam ao público brasileiro, especificamente? A autopublicação através de plataformas como a itch.io, é uma alternativa interessante, mas poderia ser feita em plataforma própria também. Muitos desenvolvedores publicam seus primeiros trabalhos desta maneira, entretanto, seus projetos maiores ficam de fora, presos à DRM de outras lojas digitais. Este tipo de movimento só se concretiza com ampla adoção dos jogadores.

Será que algum dia os jogadores vão, realmente, se cansar das plataformas que os esnobam, e os devs, em paralelo, buscar conexão genuína com seus jogadores? É de se pensar. 

Como jogadores brasileiros, muitas vezes esquecemos que a Playstation e a Nintendo são japonesas e a Xbox é norte-americana, e o Playstation também domina na Europa. Enquanto na China, onde os dispositivos móveis e PCs dominam, dentre os consoles, o mais popular é o Nintendo Switch.

No Brasil, entretanto, os consoles mais populares com base em dados de 2023 coletados pela Pesquisa Game Brasil, ainda são o PS4 e o Xbox 360 (respectivamente), com o PS5 em terceiro lugar, enquanto logo atrás fica o querido PS2. Isto é claro, falando apenas de consoles.

Talvez seja a hora de lembrar o porquê amamos tão fervorosamente o Playstation 2 e o Xbox 360 até hoje.

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